Exposição: BIOARTE: O LABORATÓRIO COMO ATELIÊ
A liberdade da experimentação artística possibilita uma porosidade entre linguagens, técnicas e áreas do conhecimento, como no caso do entrelaçamento entre ciência e arte, que dialogam ampliando as fronteiras de uma e de outra. As técnicas artísticas tornam-se caminho para o olhar e trabalho desenvolvido em laboratório, um ateliê-laboratório que se constitui em redes que conectam a memória pessoal e social ao próprio solo fértil de microrganismos.
Nesta exposição, nos deparamos com algumas operações no campo bioartístico: por um lado, o laboratório e os processos técnicos de um conhecimento científico que permite o uso e manuseio de microrganismos a fim de experimentar pigmentações diversas, diferenças morfológicas e diferentes técnicas de manipulação; por outro, os registros que congelam estes processos em fotografias e montagens nas quais os microrganismos são matéria e corpo de sua estética.
Neste território fronteiriço, há um movimento constante e inerente que coexiste no laboratório e no ateliê. Se no ateliê de arte discutimos sobre o movimento inerente aos processos de criação e pesquisa artística, no laboratório, entre placas de Petri e microrganismos, Emanuely Aimi e Ingrid Midori lidam com o movimento que não cessa em expansão e fertilidade – assim como no ateliê – afinal, elas lidam com colônias vivas. Ao lidarem com organismos vivos, as artistas agenciam materialidade e tempo, técnica e sensibilidade, organicidade e artificialidade com as técnicas de desenho e pintura, bem como exploram os conceitos de tempo, efemeridade e memória.
As imagens apresentadas a nós são modos de registro e permanência de uma matéria que continua – a progressão do tempo transforma as colônias, que, por sua vez, transformam a imagem. As colônias contaminam a imagem, destroem seus limites, consomem os corpos, deixando para trás resíduos de um tempo, de uma presença, de um substrato. Ao lidarem com organismos vivos, as artistas estão lidando com a impertinência da vida que, em sua microscopia e macroscopia, é prenhe de transformação/transmutação e devir.
A exposição “Bioarte: o Laboratório como Ateliê” é fruto do trabalho colaborativo entre o IFPR - Londrina e a UEL e traz à tona a produção dessas jovens artistas-pesquisadoras, possibilitando que a comunidade tenha contato com o importante trabalho que vem sendo desenvolvido nos laboratórios, nessa experiência singular de união entre arte contemporânea e ciência.
texto e curadoria Dão Pedro (IFPR), Guilherme E Silveira (IFPR), Isabella Maria Píccolo Estevão e Valter do Carmo Moreira (UEL).
Exposição: O TORTO É MAIS BONITO de Rafa Tolújì
o torto é mais bonito, escrito que acompanha um dos desenhos// da exposição e a nomeia, lembra uma fala de nêgo bispo: tudo que é reto, mente. o reto, linear, derivado de uma estrutura pensante que bebe em fontes cartesianas, nos fala sobre a linearidade ocidental que, ereta e verticalmente, impõe suas verdades absolutas, dicotomias e hierarquias. o torto não só é mais bonito, como retorce essa estrutura reta e mentirosa que se impõe nos modos de viver, de saber, pensar e se relacionar.
vivemos sob tempos de escassez relacional, de cosmofobias[1], de individualidades e assepsia. se por um lado temos aqueles que adestram e colonizam, por outro, temos quem, à revelia dos poderes hegemônicos, resistem aos adestramentos e submissões sistêmicas. a vida se faz nas frestas, nos tensionamentos e na disputa por um contradiscurso que redirecione nossos desejos e autonomias para lugares mais férteis e dignos para existirmos. criar e reelaborar formas de vida impõe que incendiemos estruturas verticalizadas sob concreto.
ao atiçar o plano branco da página, rafa tolújì lança brasas sobre discursos e símbolos hegemônicos instaurando, com sua mandinga, o riso, o mistério, a dúvida, o gozo. longe das relações lineares, rafa atrita símbolos, palavras e imagens.
contra o confinamento da existência como projeto de desencanto[2], a autonomia, o compartilhamento; contra a razão hegemônica, o riso; contra a beleza plastificada, o torto; contra a difluência, a confluência; contra a via única, a encruzilhada; contra a domesticação, a sedução; contra o saber linear, o saber orgânico e sinuoso de suas linhas.
a linha de rafa tolújì rasteja pela lâmina afiada da faca e do olhar.
que a vida dessa faca
se mede pelo avesso:
seja relógio ou bala,
ou seja faca mesmo[3]
[1] bispo dos santos, Antônio (nêgo bispo). a terra dá, a terra quer. são paulo: ubu editora/piseagrama, 2023.
[2] simas, luiz antonio. corpos em disputa. o corpo encantada das ruas. rio de janeiro: civilização brasileira, 2021. p. 110.
[3] neto, joão cabral de melo. obra completa. rio de janeiro: nova aguilar, 1994.
Exposição: LEMINSKI: MODOS DE (O)USAR
Leminski: modos de (o)Usar é uma celebração da inquietação criativa e da fusão de linguagens artísticas que marcam a obra de Paulo Leminski, um dos mais icônicos poetas brasileiros da contemporaneidade. Esta exposição, em memória aos seus 80 anos, convida o visitante a mergulhar no multifacetado universo Leminskiano tomado de empréstimos pelos artistas aqui reunidos onde a vanguarda e a experimentação são protagonistas.
“Contaminação” é uma palavra central na obra de Paulo Leminski. Ele absorveu influências de diversas fontes — das tradições literárias orientais à cultura pop, passando pela filosofia, pela música e pelo cinema americano — e transformou essas referências em uma linguagem única e vibrante. Esse processo de contaminação é evidente na poética dos artistas que compõem a exposição que, contaminados pelo poeta, emprestam e usam a sua poesia e filosofia com desobediência e particularidade recombinando e fundindo os textos do autor ao seu repertório pessoal para gerarem novos significados e provocar reflexões.
A noção de “empréstimo” também permeia a obra de Leminski.
Ele navegou por múltiplos gêneros e estilos, apropriando-se de elementos de diferentes tradições literárias e artísticas para criar uma obra que desafia categorizações. Esse espírito se reflete nas peças expostas, que exploram a fusão de linguagens visuais e verbais, destacando a versatilidade e a ousadia dos trabalhos que buscam desafiar o olhar convencional, convidando o espectador a tornar-se partícipe do processo de construção de sentidos.
“As pessoas sem imaginação estão sempre querendo que a arte sirva para alguma coisa”. Essa citação do ensaio “A Arte e Outros Inutensílos”[1], uma ode a “inutilidade das coisas”, é uma provocação que Leminski lança ao utilitarismo dominante. Suas criações nos fazem lembrar que a arte não precisa ter uma função prática para ser significativa; sua beleza reside justamente na gratuidade, na capacidade de gerar prazer, questionamento e encantamento. As obras expostas refletem essa filosofia, celebrando a liberdade criativa e a capacidade da arte de nos desconectar da lógica produtivista.
Por uma arte mais radical, incômoda e libertária, fica aqui o convite: Leminski-se!
[1] Publicado no jornal Folha de S. Paulo, caderno Ilustrada, p. 92, 18/10/1986.